A história começara. A sonoplastia dos ouvintes ajudava a compor o ambiente. Isso havia sido combinado previamente. Tudo muito simples. Instrumentos que reagem ao passar do ar. Sinos, carrilhões e o próprio som do vento produzido pela boca a soprar. Uma flauta introduzindo as primeiras notas num estilo meditativo. Sons convidando ao estado de introspecção, de atenção, de relaxamento. Rapidamente a esfera psico-acústica de fechava à volta dos participantes.
A história utilizaria os velhos e bons elementos da jornada do herói. O menino que quer ajudar sua aldeia, que planeja sua vida, que vence desafios, que chega a pontos de decisão e virada, que encontra um mentor, que recebe uma tarefa que ele não entende, que sofre transformações, que entende e aceita sua tarefa interior, que não entende sua tarefa e desiste e vai embora até encontrar algo que lhe dê um sentido, e que finalmente retorna ao seu lugar de direito. Todos esses elementos estão na história. Mas essa história estava inserida numa proposta, a de averiguar o sentido da vida.
O protagonista resolve ajudar sua aldeia e, sabendo da existência de sábios que habitavam um mosteiro perto, decide se tornar monge. Ele iria adquirir seu conhecimento para ajudar sua gente. Assim, o jovem chega ao mosteiro e é recebido pelo monge administrador. Homem grande, forte, viril, apreciador de boa comida, alegre, falador. Fisicamente, o monge administrador faz contraste com o monge chefe, magro, frágil, absolutamente quieto e cego. O arquétipo do cego salta aos olhos. O monge cego enxerga o que os olhos físicos não vêem. O jovem é testado. Ele passa um dia fora do mosteiro esperando o portão se abrir. Depois passa outro dia dentro do mosteiro num pátio aberto. Sua determinação é testada. Então ele deve esperar o monge chefe e, se este nada lhe falar ele pode ficar. Se ele perguntasse qualquer coisa, algo como "posso ficar, mestre?" , ele teria fracassado no teste, pois o mestre teria respondido: "não" . O monge administrador tinha em mente um método específico para este jovem. Ele teria que ser absolutamente determinado e possuir fé, confiança.
Como abordar um homem que procura o caminho espiritual porque está insatisfeito com a vida-do-dia-a-dia? Para aquele jovem ,a abordagem seria simplesmente mandá-lo varrer o chão sujo de areia que o vento trazia incessantemente naquele pátio aberto dentro do mosteiro. Isso seria suficiente. O jovem assim o faria por um ano. Sempre pensando nos livros que existiriam na biblioteca e no conhecimento ali contido. Ele almejava aprender como melhorar a vida de seu povo. Durante um ano ele varreu o pátio dia e noite, várias vezes. Ele varria um canto enquanto em outro a areia novamente se acumulava. Fez isso até desistir. Resolveu ir embora pois não havia aprendido nada que queria. Como queremos aprender algo que não sabemos e acreditamos saber o que devemos aprender! Mas, para seu projeto, aquilo parecia apenas perda de tempo. Ele mal acabara de ter esses pensamentos quando percebeu que o vento, seu companheiro por todo aquele ano, fazia um som.
O vento cantava.
Esta descoberta fora uma primeira transformação. A vida não se dobra aos caprichos da vida-do-dia-a-dia. Mas o que brotou ali não fora essa consciência, mas a de que há uma vida, uma vida que independe de nossa vida diária. Essa vida é um fluxo indomável, livre. Ela vai onde quer e quando quer. Faz o caminho que quer. Durante um ano isso estava ali. Mas somente quando ele dá espaço, quando ele para de pensar em seu projeto, nos livros que poderia ler, é que ele ouve o som dessa vida, desse vento.
E isso é um nascimento.
Um primeiro respirar para além de sua vida planejada. Ele respira pela primeira vez na espontaneidade da vida mesma. E ele começa a cantar. Sua canção vem da mesma fonte que é a liberdade de ventar. E ao tocar essa fonte, surge o som, a canção, a vida em atrito suave com o mundo. A vida penetrando seu coração.
Por um momento ele esquecera seu projeto, sua vida-do-dia-a-dia, e ele cantava. Assim ele o fez por mais dez anos. Ele varria e cantava em harmonia com a som do vento, dia e noite, varias vezes. Sua música era fruto de seu contentamento. Não era alegria, oposto da tristeza. A vida nada sabe dessas expressões humanas. A vida é contente. Um contentamento sem motivo que a explique. Ele estava imerso nisso, crescendo nesse útero, agindo ele mesmo como vento.
Ele cantava e dançava no pátio. Havia transformado o pátio num templo. Seus movimentos eram oração. Sua música, um agradecimento. Ele assim o fazia, mas não sabia que fazia!
Dez anos depois ele resolve ir embora. Ele olha seu antigo projeto e percebe que nada possui para realizá-lo. Os monges apenas sorriem e lhe garantem portas abertas. Como é fácil não se perceber a própria luz quando se é por demais iluminado!
O jovem, agora um monge adulto, segue o caminho de sua antiga aldeia e encontra um aldeão de um povoado vizinho ao seu. Este homem está cantando. Ele conta que dez anos antes alguém ouvira uma bela canção trazida pelo vento, vindo da direção do antigo mosteiro. Esse homem, tocado pela canção havia se inspirado e começado também a cantar. Retornando a sua aldeia ele inspirara outros e isso fora passando de vizinho a vizinho, por fim de aldeia a aldeia. Por isso ele cantava. A vida-do-dia-a-dia ainda era a mesma, com suas dificuldades e tristezas, mas eles haviam sido tocados e inspirados por algo além. Assim ele cantava.
O monge tem sua segunda transformação. A consciência do que lhe ocorrera dez anos antes surge. Qual o sentido em se identificar com uma vida circunstancial e deixar passar a vida mesma que flui em todos e através de todos? O projeto de melhorar as circunstâncias de vida não deveria encobrir a vida mesma.
O monge retorna e passa o resto de seus dias cantando em seu templo aéreo, brincando com a a areia que o vento traz, cantando com ele suas músicas fluidas. Ao final de sua vida as aldeias disputariam a origem de seu monge inspirador.
A vida é mestra em se esconder a vista de todos.
Louva-se o músico e o instrumento. Esquece-se que foi a música que atravessou a ambos. O que importa onde o monge cantor nasceu? O que importa quem cantou? Qual o sentido da vida? O monge chefe, cego, está te vendo. Espere aqui neste pátio. Se ele chegar e nada te dizer, então você pode ficar.
A história utilizaria os velhos e bons elementos da jornada do herói. O menino que quer ajudar sua aldeia, que planeja sua vida, que vence desafios, que chega a pontos de decisão e virada, que encontra um mentor, que recebe uma tarefa que ele não entende, que sofre transformações, que entende e aceita sua tarefa interior, que não entende sua tarefa e desiste e vai embora até encontrar algo que lhe dê um sentido, e que finalmente retorna ao seu lugar de direito. Todos esses elementos estão na história. Mas essa história estava inserida numa proposta, a de averiguar o sentido da vida.
O protagonista resolve ajudar sua aldeia e, sabendo da existência de sábios que habitavam um mosteiro perto, decide se tornar monge. Ele iria adquirir seu conhecimento para ajudar sua gente. Assim, o jovem chega ao mosteiro e é recebido pelo monge administrador. Homem grande, forte, viril, apreciador de boa comida, alegre, falador. Fisicamente, o monge administrador faz contraste com o monge chefe, magro, frágil, absolutamente quieto e cego. O arquétipo do cego salta aos olhos. O monge cego enxerga o que os olhos físicos não vêem. O jovem é testado. Ele passa um dia fora do mosteiro esperando o portão se abrir. Depois passa outro dia dentro do mosteiro num pátio aberto. Sua determinação é testada. Então ele deve esperar o monge chefe e, se este nada lhe falar ele pode ficar. Se ele perguntasse qualquer coisa, algo como "posso ficar, mestre?" , ele teria fracassado no teste, pois o mestre teria respondido: "não" . O monge administrador tinha em mente um método específico para este jovem. Ele teria que ser absolutamente determinado e possuir fé, confiança.
Como abordar um homem que procura o caminho espiritual porque está insatisfeito com a vida-do-dia-a-dia? Para aquele jovem ,a abordagem seria simplesmente mandá-lo varrer o chão sujo de areia que o vento trazia incessantemente naquele pátio aberto dentro do mosteiro. Isso seria suficiente. O jovem assim o faria por um ano. Sempre pensando nos livros que existiriam na biblioteca e no conhecimento ali contido. Ele almejava aprender como melhorar a vida de seu povo. Durante um ano ele varreu o pátio dia e noite, várias vezes. Ele varria um canto enquanto em outro a areia novamente se acumulava. Fez isso até desistir. Resolveu ir embora pois não havia aprendido nada que queria. Como queremos aprender algo que não sabemos e acreditamos saber o que devemos aprender! Mas, para seu projeto, aquilo parecia apenas perda de tempo. Ele mal acabara de ter esses pensamentos quando percebeu que o vento, seu companheiro por todo aquele ano, fazia um som.
O vento cantava.
Esta descoberta fora uma primeira transformação. A vida não se dobra aos caprichos da vida-do-dia-a-dia. Mas o que brotou ali não fora essa consciência, mas a de que há uma vida, uma vida que independe de nossa vida diária. Essa vida é um fluxo indomável, livre. Ela vai onde quer e quando quer. Faz o caminho que quer. Durante um ano isso estava ali. Mas somente quando ele dá espaço, quando ele para de pensar em seu projeto, nos livros que poderia ler, é que ele ouve o som dessa vida, desse vento.
E isso é um nascimento.
Um primeiro respirar para além de sua vida planejada. Ele respira pela primeira vez na espontaneidade da vida mesma. E ele começa a cantar. Sua canção vem da mesma fonte que é a liberdade de ventar. E ao tocar essa fonte, surge o som, a canção, a vida em atrito suave com o mundo. A vida penetrando seu coração.
Por um momento ele esquecera seu projeto, sua vida-do-dia-a-dia, e ele cantava. Assim ele o fez por mais dez anos. Ele varria e cantava em harmonia com a som do vento, dia e noite, varias vezes. Sua música era fruto de seu contentamento. Não era alegria, oposto da tristeza. A vida nada sabe dessas expressões humanas. A vida é contente. Um contentamento sem motivo que a explique. Ele estava imerso nisso, crescendo nesse útero, agindo ele mesmo como vento.
Ele cantava e dançava no pátio. Havia transformado o pátio num templo. Seus movimentos eram oração. Sua música, um agradecimento. Ele assim o fazia, mas não sabia que fazia!
Dez anos depois ele resolve ir embora. Ele olha seu antigo projeto e percebe que nada possui para realizá-lo. Os monges apenas sorriem e lhe garantem portas abertas. Como é fácil não se perceber a própria luz quando se é por demais iluminado!
O jovem, agora um monge adulto, segue o caminho de sua antiga aldeia e encontra um aldeão de um povoado vizinho ao seu. Este homem está cantando. Ele conta que dez anos antes alguém ouvira uma bela canção trazida pelo vento, vindo da direção do antigo mosteiro. Esse homem, tocado pela canção havia se inspirado e começado também a cantar. Retornando a sua aldeia ele inspirara outros e isso fora passando de vizinho a vizinho, por fim de aldeia a aldeia. Por isso ele cantava. A vida-do-dia-a-dia ainda era a mesma, com suas dificuldades e tristezas, mas eles haviam sido tocados e inspirados por algo além. Assim ele cantava.
O monge tem sua segunda transformação. A consciência do que lhe ocorrera dez anos antes surge. Qual o sentido em se identificar com uma vida circunstancial e deixar passar a vida mesma que flui em todos e através de todos? O projeto de melhorar as circunstâncias de vida não deveria encobrir a vida mesma.
O monge retorna e passa o resto de seus dias cantando em seu templo aéreo, brincando com a a areia que o vento traz, cantando com ele suas músicas fluidas. Ao final de sua vida as aldeias disputariam a origem de seu monge inspirador.
A vida é mestra em se esconder a vista de todos.
Louva-se o músico e o instrumento. Esquece-se que foi a música que atravessou a ambos. O que importa onde o monge cantor nasceu? O que importa quem cantou? Qual o sentido da vida? O monge chefe, cego, está te vendo. Espere aqui neste pátio. Se ele chegar e nada te dizer, então você pode ficar.