sexta-feira, 25 de julho de 2014

Você escolhe o percurso

Como é doloroso o fim prolongado, arrastado, cheio de esperança de não ser si mesmo. Dante já havia me prevenido com os dizeres em seu portal. Virgílio já o lera para mim. Por que então me espanto se você, ente lastimonioso, não deixa pegadas?  

Você me segue como um cachorro triste, abandonado ao vento silencioso das noites mal dormidas, aos dias com suas regulares horas hepáticas em que seus ossos se contraem.  Levei você a correr em volta daquela massa d'água como um ritual de dissolução, um expurgar de toxinas mentais.  Seu rosto avermelhou. Parecia a vida fluindo nos poros, ocupando, transbordando.  Mas foi apenas aparência. Era o choro das veias. Uma canção úmida.  Senti você se debater em cada passo.  Povoar o caminho com fantasias desesperadas. Enraivecer-se até cansar. Somente aí o ritual fez efeito. Você quis parar, mas tão cansado, nem mesmo pode argumentar. Continuei a corrida e respirei sozinho.  O corpo me dizendo que ainda havia energia.  Terminei o percurso aonde começara.  Não.  Aquele era outro lugar!  O reflexo da luz era outro.  As cores possuíam uma tonalidade diferente.  É inevitável esquecer o passado para quem vive o presente?  Pois está certo que não reconhece o presente aquele que vive no passado.  Estamos tão distantes assim, meu companheiro dolorido?  Aquela massa d'água já é outra para mim!  

Quero apreciar a cintilação do ar, a sombra da nuvem, o encantamento das árvores, a violência dos trânsitos, o mundo a parte das garças e pequenos pássaros. Sei que você irá se cansar novamente. Pois olhe este corpo que compartilhamos e que te abriga. Ele também já é outro!  Vamos. Vamos juntos dissolver sua tristeza, seu apego descomesurado. Até que a tristeza se canse de nós.  

Sim, eu também sofro contigo. Mas eu também tenho em mim um contentamento que sobra, escorre, exala. Não posso dá-lo. Ele não aceita direção. E ele está aí mesmo, entremeado nessa jornada fria a que você se condena.  As esperanças perdidas, que Dante aconselha, não significam o nada, o deserto desiludido. Significam uma estratégia que nos aproxima de coração à coração. Por que o coração nada espera. É romantismo tolo dizer que o coração sofre esperançoso. Quem sofre assim é o pulmão cheio de ar retido que não se deixa renovar. O coração habita o espaço do contentamento. Até quando pára. Até quando adoece. 

Mas chega dessas histórias lindas para quem hoje é todo ventre, ferida e fogo. As vezes falo a mim mesmo como se você a você. Eu sei o quão furiosa pode ser uma nuvem feita de água. Vamos dar outras voltas. Você escolhe o percurso. 

sábado, 19 de julho de 2014

Bang!

Aqui as sobras. Ali uma sopa mal dormida. No bolso da jaqueta, antígenos para um veneno que não se percebe. Escondido no ventre, ruídos dolorosos. Pateticamente você coloca aspas em tudo o que se faz necessário.  Ah! Quanta falta de foco!  Sua auto repercussão enauseante se tornou prazeirosa?  O senso de auto-piedade se agigantou?  Seu desprezo por si mesmo por acaso funciona? Pois o espelho continua impassível!  Preste atenção: sua dor irá lhe perseguir como sombra, como reflexo, como odor, como uma segunda pele!  Não há escapatória ! Você já viu isso!  Pois chega desse choro seco, dessa lástima cerimonial.  Raspe essa casca de mendigo, essa capa de adotado, esse rosto de filho abandonado.  Você realmente achou que o final feliz da história era verdadeiro?  Pois admita que você ainda conta com isso! Admita!  Resista ao seu ímpeto quase irresistível de se arrastar no chão!  Resista!  Olhe para mim!  Quantas vezes terei que te matar! Bang! Agora façamos tudo novamente!