sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O Fim do Mundo

Aqui está.  Não pense que eu estava brincando, te assustando.  Realmente aqui está.  Mas quem irá perceber este momento menor que qualquer medida de momentos?

Mas uma vez o Fim do Mundo passará despercebido.

Mesmo com tantos corações desejando ou temendo, com tantas preparações, mesmo assim o Fim do Mundo passará despercebido.

Veja os maias, esse povo que simplesmente deixou de existir.  Podem falar de uma grande seca, de uma epidemia veloz.  Falem do que quiserem, o fato é que nós, os que aqui estamos, encontramos apenas ruínas. Amontoamos pedaços de hieroglifos, montamos um quebra-cabeça temporal, supomos os inícios e fins, circunscrevemos eras, especulamos sobre indícios...

O Fim do Mundo não pode ser medido com relógio, está além de qualquer detecção.  É tão fluido que se dissolve em cada segundo de todo o tempo do mundo.  É tão penetrante que nenhuma parte de qualquer segundo é pequeno o suficiente para mostrá-lo.  Sim, o mundo não é pequeno o suficiente, nenhuma parte sua é.

Ainda assim, aqui está.

As oito horas e cinco minutos da noite, de qualquer lugar que se esteja, olhe para o céu.  Então, olhe para as estrelas e feche os olhos.  Então saiba. Saiba com todo seu corpo que o Fim do Mundo aqui está.

Continue vendo as estrelas, ainda de olhos fechados... e veja todos os mundos com todas suas estrelas... bilhões e bilhões de estrelas.  Agora, bem devagar, abra os olhos.  Abra os olhos e saiba.  Saiba profundamente: o Fim do Mundo, despercebido, aqui está.

Em algum lugar, seja qual for, nessa imensidão que você acabou de imaginar, a primeira estrela acaba de se apagar.


Para Catarina

domingo, 25 de novembro de 2012

Lagrimas salgadas não devem ser bebidas, ou: a cor do céu ressalta apenas o que é comum

Um choro.  Claro, tudo começa com um choro. Como um nascimento, como entrar num território hostil.  Você deveria ter percebido... sua voz que te parecia muda, seu coração quase saindo da boca, os sinais tolos de quem está na sendo fisgado por um pensamento, por uma idéia, por uma semente.  E nenhuma semente é inocente.  Ela cresce e quando você se dá conta, João, há um gigante em sua cola. E você sabe, ou deveria saber:  nunca deixe a semente se molhar.  Mas como não ser hipnotizado por quele choro, cujas lágrimas sorrateiramente molham a semente que você deixou aparecer?  Tolo. Alguns choros são feitos de uma astúcia insuperável, igual a uma uma mentira perfeita: aquela que não se sabe mentira.  Foi assim que você, João, se deixou levar pela fantasia evocada durante o sussurrante choro da princesa.  Ninguém escreveu nenhum roteiro, nem escalou os personagens.  Esse é o tipo de história que se encena como se não o fizéssemos.  Estamos tão colados a nossas máscaras e roupas e falas e entonações que ninguém nos chamaria de fanfarrões.  Somos naturais.  Dizemos até que a natureza, com seus hormônios, suas cores, seus perfumes, nos incita a agir assim.  Será que, em algum momento, alguém também dirá que a natureza pensa? Mas eu estava contando como tudo começou, e o começo foi tão clichê quanto qualquer outro.  É claro que você, João se apaixonou. Claro que a princesa, sendo nobre, precisaria manter sua distância sanguínea.  Ela determinaria o andamento das cenas, a iluminação, o ângulo das câmeras, as falas apropriadas e, como não poderia deixar de ser, seria a estrela da peça com seu lindo camarim.  Agora sim, agora não.  Agora aqui, agora ali.  Hoje não posso, amanhã... talvez.  Agora eu quero, mas isso não significa que eu faça exatamente agora. João, ah João! Agora você teria que molhar outra semente, e com seu próprio sangue, para descer desse pé gigante em que se meteu...  Você ainda não entendeu?  Olhe nos olhos do gigante e compare com os da princesa!  A mente produz todo tipo de jogos e há sempre um tirano dando as cartas, ditando as regras!  João, nunca molhe suas sementes em águas alheias!  No máximo, se você quiser se arriscar, misture uma água outra a sua mesma e faça crescer uma semente compartilhada, como uma jornada dupla reconhecível pelas palavras no caminho, palavras ditas de coração a coração.  Isso, se você tiver essa índole pelo risco.  Dizem que é o caminho mais belo, apesar de tudo.  Dizem que vale a pena.  Então João, não se deixe enganar novamente! Princesas são invenções ordinárias.  Me mostre alguém que não seja especial e eu te direi: esta é uma em um milhão! Estenda a mão! Não a perca de vista!  Procure uma Maria, uma Joana como você, sem sobrenome algum, sem nenhuma referência, brasão, importância.  Você sabe... você sabe que matar o gigante é mais fácil que dizer adeus à princesa.  Não acredite que ela esteja em perigo, pois é você quem está a beira deste precipício!  Vamos, não é difícil.  Ande um pouco.  Respire mais fundo.  Olhe atentamente.  Não se engane pelas cores fortes, pelos cortes precisos, pelo perfume adocicado.  Continue olhando.  Permaneça atento.  Vê como essas cores se repetem? Vê como esses gestos são cuidadosamente ensaiados?  Agora você percebe o padrão?  Pois olhe novamente.  Ali está: Maria.  Ela se sente deslocada.  Ela usa sapatos baixos, parece que não treinou suficiente o remexer os cabelos.  Ela tem um sorriso de quem se sente fora do ninho e a espontaneidade de uma criança adorável.  Vê como ela fica linda sem fazer esforço e quando faz, nunca é tão linda como se não o fizesse?  Ela pode ter olhos negros ou castanhos, não importa; acontece que, como que por mágica, o azul sempre ressalta a cor desses olhos!  Você até diria que isso é algo especial nela, mas não se engane!  Maria é absurdamente comum, sem ser ordinária.  Não adianta você dizer que são sinônimos. Maria nunca treinou para nada e ela nem sabe que estamos falando dela.  Mantenha-se atento e nunca a perca de vista.  Afaste-se dessas princesas que são ótimas em uma coisa ou outra. Todas elas podem ser pagas pelos seus dotes.  Maria tem algo que nenhum dinheiro compra.  O olhar de Maria é impagável.  Você acha que estou sendo romântico? Pois eu vi seu futuro João, escutei seus gritos apavorados fugindo do gigante e te digo: é Maria quem te acorda dos pesadelos, é sua mão que aquece seu peito, é o som de seu coração e sua voz que apaziguam sua angústia.  É Maria, pequeno herói inventado de si mesmo.  É Maria, sem corôa ou tiara, sem cetro nem manto.  Vê ela ali no meio de toda essa gente importante?  Se você não tiver o suspiro suspenso por esse olhar sem jeito, então você não é João!  Dane-se você com suas princesas e gigantes pesados! Vamos João, olhe... olhe atentamente.  Isso! Sim, eu sei... Respire.  Isso...respire. Incrível, não? Me diga que não é mágica?! Como pode esse azul ressaltar a cor de seus olhos castanhos, não é mesmo?

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Mulher Gato ;ou: Aquele que possui um passado, perde o futuro; ou: Veja, Cristiano: Batman ressurge com espírito!

Refleti sobre os elementos, os personagens, suas conexões, enquanto ia para casa num ônibus lotado. O motorista freava e arrancava como se transportasse animais de abate.  O ar era pegajoso.  Os espaços eram preenchidos com asco.  La fora uma variedade de luzes de sinais, faróis e letreiros, refletiam nas janelas, criando uma sensação de um sonho angustiante.  Era como se não fosse possível ver realmente lá fora.  Era óbvio que o ônibus andava, mas a sensação era de aprisionamento.  Não havia brisa, tudo era velho.  Como o conteúdo de um comprimido atravessando os intestinos da cidade, o conteúdo do ônibus apenas esperava a hora de fazer sinal e pular fora dali.  O trânsito testa sua capacidade de exercer sua vontade, pensei.  Pulei do ônibus.  Respirei.  Olhei o céu já anoitecendo.  Então isto veio a tona.  Não sei se há um início exato.  Por isso não pretendo realizar uma narrativa.  O que acontece aqui é como uma explosão.  Como você irá ler isso, este texto tridimensional, eu não sei.  Também não sei como irei escrevê-lo.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

conhecimento

O conhecimento de primeira mão é uma experiência. Saber o que é um choque significa experimentar um choque. A descrição de um choque não é e não substitui o conhecimento de primeira mão do choque. Conhecer a descrição nunca é conhecer o que é descrito. E mesmo quem possui a experiência do choque não é capaz de descrevê-lo como ele é. A experiência é indescritível. 

A consciência capaz de descrever qualquer coisa não é a mesma que experimenta. Essa consciência que descreve o faz de segunda mão, coletando impressões, buscando palavras-pensamentos que produzam sentido lógico, ou gestos que também produzam sentido. A consciência descritiva narra uma história. Mas uma história bem contada, e é assim que se produz uma boa história, bem-contando, deve nos fazer querer vivê-la, experimentá-la. 

Eu defendo que Julio Verne foi a lua. Digo isso porque sei da limitação de nossas experiências viáveis e da ilimitada capacidade de imaginá-las. 

Será que em algum movimento da consciência, imaginação e experiência se tornam indestiguíveis? A imaginação pode se tornar tão poderosa a ponto de produzir experiência, conhecimento de primeira mão?

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Deus não permitiria isso! Ou: Quanto mais devagar meu coração bate, mais rápido o trigre voa.

Estava olhando a formiga carregando a folha.  Quando penso nos assuntos esotéricos lembro das formigas e suas folhas.  Por mais que uma formiga entendesse meus relatos sobre eclipses lunares, as mudanças das marés e as oscilações nos mercados, esse entendimento nunca se daria por experiência.  É assim com os assuntos esotéricos.  São relatos dos quais não possuímos nenhuma experiência.  Os esotéricos que louvam a chegada da era de aquárius, não percebem que eles não vivem  o suficiente para perceber as mudanças que tal era traz.  Com certeza uma entidade que vive uns trinta mil anos experimentaria tais mudanças, assim como nós sentimos a mudança entre verão e primavera.  Neste ponto sou um crente: acredito nos relatos, mas sei que eles nada podem me dizer.  Acredito porque tenho outro tipo de crença: a de que existem entidades que vivem muito mais tempo que nós e que podem se comunicar conosco. Acredito nesta possível comunicação pelo simples prazer de imaginar que há seres humanos especiais e de que, de alguma maneira, eu possa ser especial também.  Gosto de pensar que há esta possibilidade oculta: a de que possuo capacidades esotéricas.  Mas o meu dia a dia é um constante chamado para o que funciona, para o que sou, para o que tenho.  Não há nenhuma entidade milenar conversando comigo e, na verdade, este texto é uma forma de espantá-las.  Na verdade, uma forma de dizer a mim mesmo para esquecer qualquer possibilidade de conversa desta natureza.  Se ela acontecer, ainda que em sonho, devo descartá-la.  Se a formiga parar para me escutar, sua folha apodrecerá antes de eu acabar de lhe contar tudo que tenho para contar, e quando isso acontecer, ela estará morta, e eu terei vivido uma semana apenas.  A formiga me lembra que meu coração possui uma quantidade de batidas possíveis, prováveis.  Isto me coloca diante de certas questões.  Se eu nunca lesse o que escrevo, por exemplo, poderia escrever, no mínimo, o dobro do escreveria se lesse tudo o que escrevo.  Eu me leio repetidamente, num constante esforço de entendimento.  Meu coração bate em dobro, ao triplo.  Mal terminei e já estou me perguntando: então,  o que eu disse?  Foi assim que escutei aquela conversa sobre aquárius, enquanto via as formigas passeando com suas folhas na beirada do muro.  Disse que os assuntos esotéricos são um equívoco de rota, são uma perda de foco.  Mas as eras existem!  Bradou meu interlocutor.  Somente um homem de peixes pode falar da era de aquárius - repliquei.  Como isso é complicado de entender!  O homem de peixes, aquele que acredita em eras, monta todo um esquema de passagens de eras e diz que tudo se consuma em aquárius, e diz mais: diz que aquárius traz o novo!  Como este homem poderia reconhecer isso então?!  Isso cheira aos judeus esperando o messias que só pode ser reconhecido pelo que se espera que ele seja e que, portanto, ao vir, nunca é reconhecido.  Mas o homem de peixes recebeu este conhecimento dos que viveram em eras anteriores! Argumenta meu interlocutor como se eu não visse o óbvio.  O homem de peixes inventa as eras anteriores, as posterior e a sua, filtra tudo por esse modelo e diz que não o faz.  Diz que não existe filtro algum.  As eras não são um esquema, um modelo, mas a realidade mesma sendo percebida sem filtro algum!  O que fazer diante de tal afirmação?  Diante de crenças que não se percebem crenças, não há diálogo.  Mas se se isto for uma crença, então tudo  é muito assustador, isto é muito assustador e você está louco ao dizer isso e me assustar assim!  Mas quem é este que se assusta? - lhe pergunto.  Não.  As eras existem... simplesmente porque... porque Deus não permitiria que não fosse assim!  Sim, Deus não permite muita coisa de acordo com a conveniência do dia.  Deus, essa válvula de escape quando o peso da folha se torna demasiado.  A conta de Deus só aumenta.  Que burro de carga!  Afinal, minha folha não poderia ser tão pesada.  Ele não permitiria!  Mas eis que fiz um acordo.  Coloquei Deus no meu lado e decidi aliviar nossas cargas.  Ele me pareceu feliz.  Me confessou que no início eu sentiria muita dor.  É que o músculo tenso sofre ao relaxar um pouco apenas.  Andei medindo a velocidade de minhas batidas cardíacas.  Pareciam mais lentas, como se eu estivesse morrendo.  Uma formiga largando a folha antes de chegar no formigueiro.  Imagine o que fazer com toda essa energia gasta apenas em levantar algo cem vezes mais pesado que a si mesmo! Em primeiro lugar daria para sair de baixo d'água e respirar uma atmosfera menos densa.  Ah! claro, aquárius traz essa atmosfera sutil, quase esqueci.  Agora tudo o que disse pode fazer sentido novamente.  Deus sendo carregado novamente em seu lombo e os esotéricos aliviados novamente.  Por favor, alguém viu minha folha? Não.  Para mim não mais.  Vou transformar Deus em um lince, um jaguar, melhor, um tigre-quepardo!  Sei que aquele filósofo está rindo de mim agora.  Háhaha! Era de aquárius?   Tente me alcançar! 

sexta-feira, 15 de junho de 2012

textos rasgados

A quantidade de textos que não escrevo é muito maior do que os que escrevo.
Parece que estou sempre buscando estes não escritos.  Porém, eles se movem, se dobram, se rasgam.
A quantidade de textos rasgados é imensa. Se eu fingir que são aforismos, eles bem que poderiam sê-los.
Verei o que acontece.


sexta-feira, 16 de março de 2012

Montségur

Pois todo sagrado é sangrento


Duzentos e poucos, o que sempre é muito, cantaram ante a fogueira.  Suas carnes queimando, seus sangue escorrendo e 768 anos de uma imagem que se tornou sagrada, de uma história contada de boca a ouvido que atravessa oceanos.  

... sei que nenhuma alma voou como pomba sobre as chamas...
... sei que todo choro e grito foram sufocados pela força da imagem de um canto heróico...
... sei que um ato de poder me atravessa hoje, mais uma vez...

Nunca vi um puro, mas que seja. Que sejam chamados assim, puros, cátaros. Tanto faz. Não importa que tal coisa não exista, nem ao menos seja possível.  Perdemos tanto tempo, primeiro com dualidades arbitrárias e depois com explicações e recolocações intermináveis que realmente tanto faz.  O tempo necessário para resolver todas as questões da mente é sempre maior do que a vida do cérebro.

...talvez, a mente ou o cérebro se cansem primeiro.

Estou batendo na porta que sei já estar aberta.  A madeira já foi acesa.  O castelo já foi tomado.  Gritos, choros, cantos, risos, aplausos, fugas, xingamentos, imprecações, êxtases. O impacto da cena revolve o redemoinho do tempo e se torna uma entidade: mensagem feita de dor e esperança. Poderosa mensagem que fala de uma outra forma de viver a vida, de uma experiência pela qual vale arriscar tudo,  vale perder tudo.  Como um puro poderia ser tão ousado?  Seria preciso a sujeira sagrada final e fatal para tornar esta mensagem tão penetrante: o próprio sangue em meio a tudo que se é.  

Ser herético até o fim é ser herético para sempre.  
Essa é a verdade.  
Nenhum cátaro voou com sua alma ao lar da Fraternidade da Vida.  
Suas almas foram reduzidas às cinzas.  
Ainda assim eles vivem, 
sem almas,
 sem espírito, 
sem corpos.
Ainda assim a Fraternidade da Vida 
é tocada por eles, 
sustentada por eles, 
alimentada por eles.



Assim retransmito esta mensagem.  Mas não é uma retransmissão apenas da mensagem.  Tudo é reeditado.  Qual é a forma de viver pela qual vale a pena morrer? Os fanáticos não morrem por isso?  Não se mata por isso?  Qual a forma de viver pela qual vale a pena arriscar tudo?  Para os cátaros essa não era uma questão, nunca foi uma pergunta: é a única forma de viver.