Desejo viver minha tristeza até que nada sobre. Mas parece que a tristeza é como a alegria, fluxo que não acaba. Devo simplesmente aceitar este inferno eterno. Pois quem sofre, enquanto sofre, sofre eternamente. Assim como o céu que é eterno enquanto deleita. O poeta músico entendeu isso e contou para todos. Afinal, tudo acaba e, enquanto dura, durar é para sempre.
Quanto dura o lamentoso acabar de algo precisoso, o não aceitar o presente num desejo conflituoso, o arrependimento daquilo que não se foi capaz de fazer? Quanto dura essa inquietação nervosa, esse soluço dolorido, esse aperto de ar contido, essa fonte de lágrimas ? E se eu jogar uma moeda e fizer como os românticos? Quem estaria ali quando eu abrisse os olhos?
Por que me acostumei com aqueles passos raivosos, aquela impaciência declarada, aquele olhar distante, aquele aperto de mãos relutante? Por que me vendi por um sonho à dois e inventei-me metade de mim na esperança de encontrar mais que outro eu ao meu lado? A resposta, tão simples, ainda não encontra porto aberto. Quanto tempo mais como um porto fechado a este navio com suas novidades temidas?
Quando se morre, leva-se a vida não vivida. Agora sei. Ela reclama sua existência como um felino assustado. A vida não vivida arranha, contorce, arrepia. Gás que se esparge, escapa da contenção. Vida não vivida mata mais depois da morte do que antes! Coloque a mão nesse saco de negligências. Estou tão cheio dessa vida não vivida que até o irreal se tornou palpável. E sou todo irreal.
Você me disse que eu deveria escolher viver. Mas como morre aquilo que ainda não viveu? Sim, claro! Sou eu que dou forma. Sou eu que crio propósito. Sou eu que alimento o nada. Informação continua. Matéria sem massa. Seguirei seu conselho. Mas não se trata exatamente de escolher a vida. O que se escolhe é a não vida. A vida viceja sem escolha. A vida não é o que adentra a forma como se poderia dizer. Seguir seu conselho impossível é, ao mesmo tempo, não segui-lo. Que seja!