terça-feira, 2 de setembro de 2014

Aliança

Aliança
Possuo um adorno no dedo. Uma aliança com quase a metade da minha idade. Ela não é feita só de metal. Ela é feita de tudo que eu admirava, feita de dedicação, de dor, de sangue, de sonhos realizados e de sonhos perdidos. Não é um adorno apenas. Ela é eu também. Mais do que eu imaginava. 
Ela é feita da minha teimosa tentativa de encontrar sentido na vida. Feita de meu apego a uma imortalidade impossível. Ela é feita do pedaço mais enraizado de meu ego. 
Se eu cortasse meu dedo fora, ela ainda estaria comigo. Nem mesmo isso  é possível. 
Deixá-la não é apenas tirar um anel. É ser capaz de aceitar minha própria irrealidade.  Aceitar minha personalidade como um instante insignificante no mundo. É ser capaz de atravessar essa mente que produz tristeza como quem diz: encha essa taça que beberei até a ultima gota!
Mas ao fazer isso, e sei que tenho que fazê-lo sozinho, olho pela janela de minha cápsula e imagino o impossível: que você poderia estar segurando minha mão... Ah! mas ninguém morre acompanhado. Essa é uma viagem que todos realizam sozinhos!
Mas êis que reúno coragem e enfrento a situação em que me encontro. Veja: a cada pedaço meu que desmorona, descubro uma raiz que não sabia existir! É como se eu tivesse ficado muito tempo ocupado, numa outra vida impossível, plantando essas sementes, as regando para ainda sobrar essas partes novas que eu não sabia existirem. Ou então eu devo ser feito de seiva e celulose auto-regenerativa... 
A pergunta me vem, velha, ainda que numa forma nova: quem é esse que ocupa as ruínas frescas de minha tristeza?  Quem é este tão calmo, tranquilo, ainda que entremeado nas lágrimas de meus olhos? 
Você esquece o anel neste momento. Nenhuma diferença faz usá-lo ou não. Como uma tatuagem por presença, se o mantém, ou por ausência, se o retira, tudo nele é passado se voce não o resignifica.   Seja como for... é preciso refletir. 
O que ele lhe mostra, lhe ensina neste momento? O que você vê neste espelho? O que está permeando essa aliança que a torna símbolo tão afetivo?  É o medo da solidão, do deserto?  É a promessa  do rei messiânico impregnada em seu sangue? Não. Nem medo nem esperança.  É você diante do desaparecimento. Você diante do pedaço mais resistente, da pedra sustentadora. É você diante do abismo se prendendo ao conhecido.  Você diante de uma capa protetora.  Mas também é você diante do que admira em si mesmo...sim, diante do que ainda admira!  É um feitiço. Um encantamento.  Uma expiação de culpa. Uma marca de heresia.  Um corte de pulsos.  Uma anomalia cerebral.   
E é sim medo e esperança! O passado remoendo suas veias. Um tributo à sua imagem esculpida.  Um acerto de contas moral.  Uma peregrinação por respostas sem perguntas. 
Tudo isso é visto nesse espelho diante daquela presença que te acompanha, mas que agora permanece calada. E desse silêncio vem uma resposta: quando não mais lembrar que ainda se usa o anel... este será o momento em que poderá ser tirado. Pois só neste momento pode-se verdadeiramente dizer: tanto faz! 

Quero esquecer porque o uso. Livrar-me das explicações e justificativas de uma mente que não se deixa vencer.  
Pois andarei em meio aos batalhões de mim mesmo, e o lançarei ao fogo, onde eu mesmo deixarei de existir!