sexta-feira, 16 de março de 2012

Montségur

Pois todo sagrado é sangrento


Duzentos e poucos, o que sempre é muito, cantaram ante a fogueira.  Suas carnes queimando, seus sangue escorrendo e 768 anos de uma imagem que se tornou sagrada, de uma história contada de boca a ouvido que atravessa oceanos.  

... sei que nenhuma alma voou como pomba sobre as chamas...
... sei que todo choro e grito foram sufocados pela força da imagem de um canto heróico...
... sei que um ato de poder me atravessa hoje, mais uma vez...

Nunca vi um puro, mas que seja. Que sejam chamados assim, puros, cátaros. Tanto faz. Não importa que tal coisa não exista, nem ao menos seja possível.  Perdemos tanto tempo, primeiro com dualidades arbitrárias e depois com explicações e recolocações intermináveis que realmente tanto faz.  O tempo necessário para resolver todas as questões da mente é sempre maior do que a vida do cérebro.

...talvez, a mente ou o cérebro se cansem primeiro.

Estou batendo na porta que sei já estar aberta.  A madeira já foi acesa.  O castelo já foi tomado.  Gritos, choros, cantos, risos, aplausos, fugas, xingamentos, imprecações, êxtases. O impacto da cena revolve o redemoinho do tempo e se torna uma entidade: mensagem feita de dor e esperança. Poderosa mensagem que fala de uma outra forma de viver a vida, de uma experiência pela qual vale arriscar tudo,  vale perder tudo.  Como um puro poderia ser tão ousado?  Seria preciso a sujeira sagrada final e fatal para tornar esta mensagem tão penetrante: o próprio sangue em meio a tudo que se é.  

Ser herético até o fim é ser herético para sempre.  
Essa é a verdade.  
Nenhum cátaro voou com sua alma ao lar da Fraternidade da Vida.  
Suas almas foram reduzidas às cinzas.  
Ainda assim eles vivem, 
sem almas,
 sem espírito, 
sem corpos.
Ainda assim a Fraternidade da Vida 
é tocada por eles, 
sustentada por eles, 
alimentada por eles.



Assim retransmito esta mensagem.  Mas não é uma retransmissão apenas da mensagem.  Tudo é reeditado.  Qual é a forma de viver pela qual vale a pena morrer? Os fanáticos não morrem por isso?  Não se mata por isso?  Qual a forma de viver pela qual vale a pena arriscar tudo?  Para os cátaros essa não era uma questão, nunca foi uma pergunta: é a única forma de viver.

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