Estava olhando a formiga carregando a folha. Quando penso nos assuntos esotéricos lembro das formigas e suas folhas. Por mais que uma formiga entendesse meus relatos sobre eclipses lunares, as mudanças das marés e as oscilações nos mercados, esse entendimento nunca se daria por experiência. É assim com os assuntos esotéricos. São relatos dos quais não possuímos nenhuma experiência. Os esotéricos que louvam a chegada da era de aquárius, não percebem que eles não vivem o suficiente para perceber as mudanças que tal era traz. Com certeza uma entidade que vive uns trinta mil anos experimentaria tais mudanças, assim como nós sentimos a mudança entre verão e primavera. Neste ponto sou um crente: acredito nos relatos, mas sei que eles nada podem me dizer. Acredito porque tenho outro tipo de crença: a de que existem entidades que vivem muito mais tempo que nós e que podem se comunicar conosco. Acredito nesta possível comunicação pelo simples prazer de imaginar que há seres humanos especiais e de que, de alguma maneira, eu possa ser especial também. Gosto de pensar que há esta possibilidade oculta: a de que possuo capacidades esotéricas. Mas o meu dia a dia é um constante chamado para o que funciona, para o que sou, para o que tenho. Não há nenhuma entidade milenar conversando comigo e, na verdade, este texto é uma forma de espantá-las. Na verdade, uma forma de dizer a mim mesmo para esquecer qualquer possibilidade de conversa desta natureza. Se ela acontecer, ainda que em sonho, devo descartá-la. Se a formiga parar para me escutar, sua folha apodrecerá antes de eu acabar de lhe contar tudo que tenho para contar, e quando isso acontecer, ela estará morta, e eu terei vivido uma semana apenas. A formiga me lembra que meu coração possui uma quantidade de batidas possíveis, prováveis. Isto me coloca diante de certas questões. Se eu nunca lesse o que escrevo, por exemplo, poderia escrever, no mínimo, o dobro do escreveria se lesse tudo o que escrevo. Eu me leio repetidamente, num constante esforço de entendimento. Meu coração bate em dobro, ao triplo. Mal terminei e já estou me perguntando: então, o que eu disse? Foi assim que escutei aquela conversa sobre aquárius, enquanto via as formigas passeando com suas folhas na beirada do muro. Disse que os assuntos esotéricos são um equívoco de rota, são uma perda de foco. Mas as eras existem! Bradou meu interlocutor. Somente um homem de peixes pode falar da era de aquárius - repliquei. Como isso é complicado de entender! O homem de peixes, aquele que acredita em eras, monta todo um esquema de passagens de eras e diz que tudo se consuma em aquárius, e diz mais: diz que aquárius traz o novo! Como este homem poderia reconhecer isso então?! Isso cheira aos judeus esperando o messias que só pode ser reconhecido pelo que se espera que ele seja e que, portanto, ao vir, nunca é reconhecido. Mas o homem de peixes recebeu este conhecimento dos que viveram em eras anteriores! Argumenta meu interlocutor como se eu não visse o óbvio. O homem de peixes inventa as eras anteriores, as posterior e a sua, filtra tudo por esse modelo e diz que não o faz. Diz que não existe filtro algum. As eras não são um esquema, um modelo, mas a realidade mesma sendo percebida sem filtro algum! O que fazer diante de tal afirmação? Diante de crenças que não se percebem crenças, não há diálogo. Mas se se isto for uma crença, então tudo é muito assustador, isto é muito assustador e você está louco ao dizer isso e me assustar assim! Mas quem é este que se assusta? - lhe pergunto. Não. As eras existem... simplesmente porque... porque Deus não permitiria que não fosse assim! Sim, Deus não permite muita coisa de acordo com a conveniência do dia. Deus, essa válvula de escape quando o peso da folha se torna demasiado. A conta de Deus só aumenta. Que burro de carga! Afinal, minha folha não poderia ser tão pesada. Ele não permitiria! Mas eis que fiz um acordo. Coloquei Deus no meu lado e decidi aliviar nossas cargas. Ele me pareceu feliz. Me confessou que no início eu sentiria muita dor. É que o músculo tenso sofre ao relaxar um pouco apenas. Andei medindo a velocidade de minhas batidas cardíacas. Pareciam mais lentas, como se eu estivesse morrendo. Uma formiga largando a folha antes de chegar no formigueiro. Imagine o que fazer com toda essa energia gasta apenas em levantar algo cem vezes mais pesado que a si mesmo! Em primeiro lugar daria para sair de baixo d'água e respirar uma atmosfera menos densa. Ah! claro, aquárius traz essa atmosfera sutil, quase esqueci. Agora tudo o que disse pode fazer sentido novamente. Deus sendo carregado novamente em seu lombo e os esotéricos aliviados novamente. Por favor, alguém viu minha folha? Não. Para mim não mais. Vou transformar Deus em um lince, um jaguar, melhor, um tigre-quepardo! Sei que aquele filósofo está rindo de mim agora. Háhaha! Era de aquárius? Tente me alcançar!
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