domingo, 25 de novembro de 2012

Lagrimas salgadas não devem ser bebidas, ou: a cor do céu ressalta apenas o que é comum

Um choro.  Claro, tudo começa com um choro. Como um nascimento, como entrar num território hostil.  Você deveria ter percebido... sua voz que te parecia muda, seu coração quase saindo da boca, os sinais tolos de quem está na sendo fisgado por um pensamento, por uma idéia, por uma semente.  E nenhuma semente é inocente.  Ela cresce e quando você se dá conta, João, há um gigante em sua cola. E você sabe, ou deveria saber:  nunca deixe a semente se molhar.  Mas como não ser hipnotizado por quele choro, cujas lágrimas sorrateiramente molham a semente que você deixou aparecer?  Tolo. Alguns choros são feitos de uma astúcia insuperável, igual a uma uma mentira perfeita: aquela que não se sabe mentira.  Foi assim que você, João, se deixou levar pela fantasia evocada durante o sussurrante choro da princesa.  Ninguém escreveu nenhum roteiro, nem escalou os personagens.  Esse é o tipo de história que se encena como se não o fizéssemos.  Estamos tão colados a nossas máscaras e roupas e falas e entonações que ninguém nos chamaria de fanfarrões.  Somos naturais.  Dizemos até que a natureza, com seus hormônios, suas cores, seus perfumes, nos incita a agir assim.  Será que, em algum momento, alguém também dirá que a natureza pensa? Mas eu estava contando como tudo começou, e o começo foi tão clichê quanto qualquer outro.  É claro que você, João se apaixonou. Claro que a princesa, sendo nobre, precisaria manter sua distância sanguínea.  Ela determinaria o andamento das cenas, a iluminação, o ângulo das câmeras, as falas apropriadas e, como não poderia deixar de ser, seria a estrela da peça com seu lindo camarim.  Agora sim, agora não.  Agora aqui, agora ali.  Hoje não posso, amanhã... talvez.  Agora eu quero, mas isso não significa que eu faça exatamente agora. João, ah João! Agora você teria que molhar outra semente, e com seu próprio sangue, para descer desse pé gigante em que se meteu...  Você ainda não entendeu?  Olhe nos olhos do gigante e compare com os da princesa!  A mente produz todo tipo de jogos e há sempre um tirano dando as cartas, ditando as regras!  João, nunca molhe suas sementes em águas alheias!  No máximo, se você quiser se arriscar, misture uma água outra a sua mesma e faça crescer uma semente compartilhada, como uma jornada dupla reconhecível pelas palavras no caminho, palavras ditas de coração a coração.  Isso, se você tiver essa índole pelo risco.  Dizem que é o caminho mais belo, apesar de tudo.  Dizem que vale a pena.  Então João, não se deixe enganar novamente! Princesas são invenções ordinárias.  Me mostre alguém que não seja especial e eu te direi: esta é uma em um milhão! Estenda a mão! Não a perca de vista!  Procure uma Maria, uma Joana como você, sem sobrenome algum, sem nenhuma referência, brasão, importância.  Você sabe... você sabe que matar o gigante é mais fácil que dizer adeus à princesa.  Não acredite que ela esteja em perigo, pois é você quem está a beira deste precipício!  Vamos, não é difícil.  Ande um pouco.  Respire mais fundo.  Olhe atentamente.  Não se engane pelas cores fortes, pelos cortes precisos, pelo perfume adocicado.  Continue olhando.  Permaneça atento.  Vê como essas cores se repetem? Vê como esses gestos são cuidadosamente ensaiados?  Agora você percebe o padrão?  Pois olhe novamente.  Ali está: Maria.  Ela se sente deslocada.  Ela usa sapatos baixos, parece que não treinou suficiente o remexer os cabelos.  Ela tem um sorriso de quem se sente fora do ninho e a espontaneidade de uma criança adorável.  Vê como ela fica linda sem fazer esforço e quando faz, nunca é tão linda como se não o fizesse?  Ela pode ter olhos negros ou castanhos, não importa; acontece que, como que por mágica, o azul sempre ressalta a cor desses olhos!  Você até diria que isso é algo especial nela, mas não se engane!  Maria é absurdamente comum, sem ser ordinária.  Não adianta você dizer que são sinônimos. Maria nunca treinou para nada e ela nem sabe que estamos falando dela.  Mantenha-se atento e nunca a perca de vista.  Afaste-se dessas princesas que são ótimas em uma coisa ou outra. Todas elas podem ser pagas pelos seus dotes.  Maria tem algo que nenhum dinheiro compra.  O olhar de Maria é impagável.  Você acha que estou sendo romântico? Pois eu vi seu futuro João, escutei seus gritos apavorados fugindo do gigante e te digo: é Maria quem te acorda dos pesadelos, é sua mão que aquece seu peito, é o som de seu coração e sua voz que apaziguam sua angústia.  É Maria, pequeno herói inventado de si mesmo.  É Maria, sem corôa ou tiara, sem cetro nem manto.  Vê ela ali no meio de toda essa gente importante?  Se você não tiver o suspiro suspenso por esse olhar sem jeito, então você não é João!  Dane-se você com suas princesas e gigantes pesados! Vamos João, olhe... olhe atentamente.  Isso! Sim, eu sei... Respire.  Isso...respire. Incrível, não? Me diga que não é mágica?! Como pode esse azul ressaltar a cor de seus olhos castanhos, não é mesmo?

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