segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Gravidade

Qual o peso que você pesa?  Parece tola essa pergunta, mas no filme Gravidade ela cabe muito bem.  Assim como cabe outra pergunta bem mais caprichosa: qual é seu lugar?  Caprichosa porque no imenso espaço não há muitos lugares para nós. O espaço é terrivelmente limitante, sufocante, apertado, ínfimo para nossos corpos. A vastidão do espaço é lugar nenhum. Nosso lugar é maior que todo esse espaço.  Pois lugar tem haver com acolhimento.  O espaço é uma virtualidade material.  Como é pequena essa vastidão !  O espaço nem é aridez total, nem mesmo um deserto, nem uma esterilidade completa. Não é falta de qualquer coisa.  É falta até mesmo de faltar algo.  E nesse espaço acabamos por criar lugares, mesmo os vazios.  Fincamos bandeiras.  Construímos nossas casas, estações, planetas. Aí também fincamos nossos desertos e oásis.  Onde você está?  Onde você escolhe estar?  O filme joga o tempo todo com a dualidade pesado e leve, com o peso dos acontecimento e com o peso que você dá a eles.  Há mais que a metáfora do nascimento e renascimento. Há uma imensa vontade implícita aí. É preciso querer. É preciso vontade.  E se você queimar nessa ação da vontade, ainda assim vale a pena.  Todo lugar é forjado com vontade.  Eu preciso deixar você ir. Preciso escolher o perigo. Preciso me livrar dessas roupas. Preciso mergulhar como um kamikaze. Preciso inundar esse espaço e  buscar a superfície aerada. E mais. Preciso me colocar em pé e reivindicar meu lugar escolhido. Dar meu passo nessa Terra-lugar-meu em que me agiganto. 
Eu, tão pequeno, imenso em meu lugar acolhido.
Passo pelo fogo, pela água e, tomando ar, me ergo sobre a terra.  Aqui está a metáfora da descida dos anjos na matéria.  Está a metáfora do nascimento do homem.  Mas está algo mais simples ainda, um prodígio da vontade. A vida que conhecemos é um milagre. Qual a chance de você estar vivo? A única chance razoável que você tem é aquela na qual o universo conspira para isso. E ele o faz de acordo com sua vontade. Pois então, aproveite cada por de sol! Aproveite cada golfada de ar em seus pulmões!  Use sua vontade!  Se ela estiver em sintonia com o universo então você criará mundos.  Terá consciência.  
Veja que vida incrível! A superfície de nossa cápsula está em chamas.  Estamos caindo, estamos rodando a esmo. Estamos sendo resgatados e estamos resgatando nossa vontade.  Estamos respirando. Estamos respirando e celebrando o chão que se aproximou de nós. Usamos toda nossa gravidade para que esse lugar viesse até nós, fosse atraído.  Veja, atraímos um planeta!  Nós, tão leves , atraímos esse colosso.  Nossa gravidade faz ele permanecer aos nossos pés.  Mas essa força fictícia não supera a atração dos abismos espaciais. Um desses abismos revelará um ultimo por de sol. Você estará em paz nesse dia? Porque ele também é hoje. Ele precisa existir em comunhão com seu dia da vontade.  Não é nem uma troca. É uma ação dupla. Cair suavemente e atirar-se decididamente.
Entenda que o espaço é fluido. Sua presença faz o espaço torcer e dobrar a sua volta. Até a luz segue o caminho que sua presença traça no espaço. Em algum momento, e esse momento também é agora, você decidiu criar uma linha cósmica infinita. Um lado você chamou dentro. Outro você chamou fora.  Esse é o mito da queda.  Essa é a crença na separação dos corpos. Adão dormindo sonhando que Eva saiu dele...  
Mergulhar em si mesmo é também subir a montanha. Descobrir isso não é o mesmo que apagar a linha que separa tudo?
Por isso eu sei que você irá aterrizar em seu lugar abençoado.  Porque até quando me afasto você me invoca e ressurjo ao seu lado, o suficiente para que você se escute. Afinal, essas rádios de notícias apenas enchem o ambiente com uivos de cachorros e canções de ninar.  Todas as notícias do mundo apenas nos põe num sono anestésico. Você deve escutar a si mesmo. Escutar o você que é o seu oposto. Afinal, você inventou a linha!  Essa será sua última conversa. E toda conversa é a última.  Mas esta será uma conversão. Aceitar a morte. Querer a vida. Escolher o lugar. Todos os duplos orbitando como estrelas gêmeas. 
O que eu quero? Eu quero todo ar que preciso. Eu quero o chão. Eu quero a vista das estrelas cadentes arrebentando em explosões fantásticas. Eu quero cortar a linha. Afundar e subir, me despir e vestir o mundo. Eu quero uma gravidade que eu possa superar.  Pois também quero ter forças para me por em pé e contemplar a maravilha desse milagre que é respirar profundamente meu lugar, apesar de tudo. Sim, apesar de tudo, poder sentir: estou vivo. 

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