Qual o peso que você pesa? Parece tola essa pergunta, mas no filme Gravidade ela cabe muito bem. Assim como cabe outra pergunta bem mais caprichosa: qual é seu lugar? Caprichosa porque no imenso espaço não há muitos lugares para nós. O espaço é terrivelmente limitante, sufocante, apertado, ínfimo para nossos corpos. A vastidão do espaço é lugar nenhum. Nosso lugar é maior que todo esse espaço. Pois lugar tem haver com acolhimento. O espaço é uma virtualidade material. Como é pequena essa vastidão ! O espaço nem é aridez total, nem mesmo um deserto, nem uma esterilidade completa. Não é falta de qualquer coisa. É falta até mesmo de faltar algo. E nesse espaço acabamos por criar lugares, mesmo os vazios. Fincamos bandeiras. Construímos nossas casas, estações, planetas. Aí também fincamos nossos desertos e oásis. Onde você está? Onde você escolhe estar? O filme joga o tempo todo com a dualidade pesado e leve, com o peso dos acontecimento e com o peso que você dá a eles. Há mais que a metáfora do nascimento e renascimento. Há uma imensa vontade implícita aí. É preciso querer. É preciso vontade. E se você queimar nessa ação da vontade, ainda assim vale a pena. Todo lugar é forjado com vontade. Eu preciso deixar você ir. Preciso escolher o perigo. Preciso me livrar dessas roupas. Preciso mergulhar como um kamikaze. Preciso inundar esse espaço e buscar a superfície aerada. E mais. Preciso me colocar em pé e reivindicar meu lugar escolhido. Dar meu passo nessa Terra-lugar-meu em que me agiganto.
Eu, tão pequeno, imenso em meu lugar acolhido.
Passo pelo fogo, pela água e, tomando ar, me ergo sobre a terra. Aqui está a metáfora da descida dos anjos na matéria. Está a metáfora do nascimento do homem. Mas está algo mais simples ainda, um prodígio da vontade. A vida que conhecemos é um milagre. Qual a chance de você estar vivo? A única chance razoável que você tem é aquela na qual o universo conspira para isso. E ele o faz de acordo com sua vontade. Pois então, aproveite cada por de sol! Aproveite cada golfada de ar em seus pulmões! Use sua vontade! Se ela estiver em sintonia com o universo então você criará mundos. Terá consciência.
Veja que vida incrível! A superfície de nossa cápsula está em chamas. Estamos caindo, estamos rodando a esmo. Estamos sendo resgatados e estamos resgatando nossa vontade. Estamos respirando. Estamos respirando e celebrando o chão que se aproximou de nós. Usamos toda nossa gravidade para que esse lugar viesse até nós, fosse atraído. Veja, atraímos um planeta! Nós, tão leves , atraímos esse colosso. Nossa gravidade faz ele permanecer aos nossos pés. Mas essa força fictícia não supera a atração dos abismos espaciais. Um desses abismos revelará um ultimo por de sol. Você estará em paz nesse dia? Porque ele também é hoje. Ele precisa existir em comunhão com seu dia da vontade. Não é nem uma troca. É uma ação dupla. Cair suavemente e atirar-se decididamente.
Entenda que o espaço é fluido. Sua presença faz o espaço torcer e dobrar a sua volta. Até a luz segue o caminho que sua presença traça no espaço. Em algum momento, e esse momento também é agora, você decidiu criar uma linha cósmica infinita. Um lado você chamou dentro. Outro você chamou fora. Esse é o mito da queda. Essa é a crença na separação dos corpos. Adão dormindo sonhando que Eva saiu dele...
Mergulhar em si mesmo é também subir a montanha. Descobrir isso não é o mesmo que apagar a linha que separa tudo?
Por isso eu sei que você irá aterrizar em seu lugar abençoado. Porque até quando me afasto você me invoca e ressurjo ao seu lado, o suficiente para que você se escute. Afinal, essas rádios de notícias apenas enchem o ambiente com uivos de cachorros e canções de ninar. Todas as notícias do mundo apenas nos põe num sono anestésico. Você deve escutar a si mesmo. Escutar o você que é o seu oposto. Afinal, você inventou a linha! Essa será sua última conversa. E toda conversa é a última. Mas esta será uma conversão. Aceitar a morte. Querer a vida. Escolher o lugar. Todos os duplos orbitando como estrelas gêmeas.
O que eu quero? Eu quero todo ar que preciso. Eu quero o chão. Eu quero a vista das estrelas cadentes arrebentando em explosões fantásticas. Eu quero cortar a linha. Afundar e subir, me despir e vestir o mundo. Eu quero uma gravidade que eu possa superar. Pois também quero ter forças para me por em pé e contemplar a maravilha desse milagre que é respirar profundamente meu lugar, apesar de tudo. Sim, apesar de tudo, poder sentir: estou vivo.
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